*João Fortunato
O roteiro é velho e repetido
diversas vezes. O que muda é a marca institucional do supermercado, porém
sempre uma grande rede. Dessa vez foi o Assaí Atacadista, unidade de Limeira
(SP), mas o anterior mais recente e rumoroso foi o Carrefour, unidade de Porto
Alegre (RS).
No primeiro, o homem foi humilhado, teve que se despir em público para provar inocência; no segundo, o homem foi morto por estrangulamento. Nos dois casos, a culpa é atribuída à equipe de segurança, que fugiu dos padrões de treinamento.
Em comum, ainda, o comunicado institucional alegando inocência da rede e terceirizando a culpa.
Até quando?
Não é raro perceber
seguranças acompanhando, taticamente à média distância, consumidores negros que
entram nas lojas, assim como os demais consumidores, para as suas compras,
conhecer novidades e conferir preços. Até aqui, nada de anormal. Porém, se saem
da loja sem passar pelo caixa, correm o risco de serem abordados no local ou a
alguns metros distante, estratégia para não chamar a atenção do público
presente.
No Assaí de Limeira, os
seguranças não foram nada discretos. O homem saiu sem passar pelo caixa e foi
imediatamente abordado. Disse que entrou na loja apenas para verificar os
preços. Argumento não aceito. Foi obrigado a se despir para provar que não
havia roubado nada. Humilhado, vestido apenas de cueca, caiu em prantos. A cena
foi filmada e viralizou nas redes sociais. O Assaí se desculpou, disse que
demitiu os funcionários envolvidos e prometeu investigar o caso. A vítima, por
sua vez, foi à delegacia registrar um Boletim de Ocorrência. História que se
repete.
Hoje as redes de supermercado
terceirizam a sua segurança e se é verdade que não apoiam o racismo
institucional então, por certo, não orientam as contratadas sobre como querem a
prestação de seus serviços. As contratadas, por sua vez, não devem treinar
adequadamente os funcionários, tamanho número de reincidência de casos. E
muitos desses funcionários, infelizmente, já trazem na memória de que o negro, apenas
por ser negro, já é um elemento suspeito. O erro tem efeito dominó. E quando o
caso acontece e ganha publicidade, como agora com o Assaí e, anteriormente, o
Carrefour, a responsabilidade passa de um para o outro, como a bola em um jogo
de futebol. Só que nessa partida, que nada tem de esportiva, existe um crime e
todos, à primeira vista, parecem culpados.
Urge que se dê um fim a esse
tipo de situação que, todos sabem, é bastante comum no Brasil. Parece ocasional
apenas porque são poucos os casos que ganham a mídia e, pela repercussão que
produzem, quase que impõem punição aos responsáveis. Mas não é apenas punindo,
ainda que de forma rigorosa, os poucos casos que ganham manchetes, que se vai
resolver o problema, indiscutivelmente gravíssimo. A solução está adormecida na
base da sociedade, em casa, nas escolas e nos ambientes de trabalho e lazer.
É preciso discutir a questão
com franqueza e clareza, para que desde pequenos se aprenda que todos são
iguais, homens e mulheres, brancos e negros, com os mesmos direitos e deveres.
A cor da pele, cabe sempre ressaltar, não nos difere e muito menos confere grau
de superioridade ou o seu inverso a uma ou outra pessoa. Mas é o Estado que
deve dar o exemplo, ouvindo especialistas, criando políticas adequadas de inclusão
e, mais ainda, orientando os seus agentes a tratarem todos os cidadãos com
equidade e respeito. Ser preto e pobre não significa estar à margem da lei, em
momento algum ou em qualquer situação.
O Assaí, assim como ocorreu
com o Carrefour e outras redes de supermercados que já serviram de palco para
este tipo de violência de fundo racial está, no momento, mais preocupado com os
reflexos do caso na percepção pública de sua marca, com medo de protestos em
sua porta e possível boicote por parte dos consumidores. Business is
business! É compreensível este temor, do ponto de vista da comunicação e
dos negócios. Contudo, do ponto de vista da cidadania, a sua preocupação
deveria ser outra e envolver toda a rede para que o caso jamais se repita e
todos os consumidores (todos!) sejam respeitados e tratados como tal em suas
lojas.
O personagem, um homem negro.
A locação, interior de um
supermercado.
A cena, humilhação e
violência física, injusta e desnecessária.
Motivo: suspeita de roubo na
loja.
No primeiro, o homem foi humilhado, teve que se despir em público para provar inocência; no segundo, o homem foi morto por estrangulamento. Nos dois casos, a culpa é atribuída à equipe de segurança, que fugiu dos padrões de treinamento.
Em comum, ainda, o comunicado institucional alegando inocência da rede e terceirizando a culpa.
Até quando?
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